“A confissão pelo mais alto responsável militar de que a guerra da NATO no Afeganistão [general Stanley Mcchystal] é um crime monstruoso contra a população civil não foi considerado tema noticioso.” É com «critérios noticiosos» como este da imprensa de referência mundial que o imperialismo modela a consciência social das populações.
A guerra no Afeganistão continua a fazer numerosas vítimas. As mais numerosas são aquelas de que menos se fala: na população afegã.
Numerosas são também as vítimas entre as forças de ocupação. Mas há pesadas baixas igualmente entre os dirigentes das potências agressoras. Em Fevereiro caiu o Governo holandês, após o primeiro-ministro se recusar a cumprir a promessa eleitoral de retirar as tropas. Há semanas demitiu-se o Presidente alemão, após confessar a verdade em público: a participação da Alemanha visa defender os «interesses» do grande capital alemão. Agora foi a demissão do comandante em chefe das tropas NATO no Afeganistão, o General dos EUA Stanley McChrystal.
A causa imediata da demissão foi um artigo da revista Rolling Stone em que McChrystal e seus colaboradores disparam em todas as direcções, incluindo contra altos representantes do poder político dos EUA.
O artigo traça um quadro de profundas clivagens, revelando a causa de fundo de tanta baixa política: o fracasso completo da guerra, ao fim de nove anos de ocupação de um dos países mais pobres do planeta pelas mais ricas e poderosas potências imperialistas dos nossos dias. Dá que pensar. Segundo a Rolling Stone, «o staff do General é uma colecção escolhida a dedo de assassinos, espiões, génios, patriotas, manipuladores políticos e maníacos completos».
Quem somos nós para desmentir? O articulista afirma que o General «ficou manchado por um escândalo de abuso de presos e tortura em Camp Nama, no Iraque. […] foi extremamente bem sucedido como chefe da Joint Special Operations Command, as forças de elite que executam as mais sombrias operações do Governo. Durante a escalada no Iraque, a sua equipa matou e capturou milhares de insurgentes […] “a JSOC era uma máquina de morte” afirma o Major General Mayville, seu chefe de operações».
Mas na sua parte final, o artigo faz-se porta-voz de queixas de que o General McChrystal não deixava matar o suficiente no Afeganistão, acrescentando: «quando se trata do Afeganistão, a História não está do lado de McChrystal. O único invasor estrangeiro que teve algum êxito aqui foi Gengis Khan – e ele não estava limitado por coisas como os direitos humanos, o desenvolvimento económico e a fiscalização da imprensa».
Direitos humanos? Desenvolvimento económico? Fiscalização da imprensa? De qual Afeganistão estão a falar?
No artigo refere-se que «McChrystal admitiu recentemente que “matámos um número impressionante de pessoas”» mas corta-se a parte final da frase do General: «mas tanto quanto sei, nenhuma delas se veio a provar uma ameaça» (New York Times, 26.3.10).
A confissão pelo mais alto responsável militar de que a guerra da NATO no Afeganistão é um crime monstruoso contra a população civil não foi considerado tema noticioso.
Sendo a invasão do Afeganistão obra de Bush, é Obama que decide fazer dela a «sua guerra», com o envio de mais 50 mil soldados e a nomeação de McChrystal. Prometeram-se êxitos, incluindo «a maior ofensiva terrestre desde a guerra do Vietname». A comparação é adequada, dado o fracasso evidente. Mas seria um erro subestimar os perigos. O novo comandante das forças NATO, o General Petraeus, é autor duma «directiva secreta […] que autoriza o envio de tropas de Operações Especiais dos EUA para nações amigas e hostis […] e que pode abrir caminho a possíveis ataques militares contra o Irão […]. O General Petraeus inclui-se entre os muitos altos comandantes que defendem […] que as tropas têm de agir para além do Iraque e Afeganistão» (NYT, 24.5.10).
A capa da revista que afundou McChrystal é ironicamente simbólica. Nela surge a cantora Lady Gaga em trajes mais que menores, empunhando duas metralhadoras. De facto, o imperialismo está gágá e o Rei vai quase nu. Mas não se deve subestimar o perigo de que lance mão do seu arsenal militar para – numa deriva criminosamente aventureirista – tentar sair da sua enorme crise pela via da violência e da guerra.
Jorge Cadima
Artigo original no odiario.info
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